28 julho 2009

4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias


Contém spoilers

Em um filme sobre aborto, seria muito mais fácil do ponto de vista dramático abordar eventuais complicações ocasionadas pelo ato, mas não é o que acontece em 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, filme romeno, escrito e dirigido por Cristian Mungiu, sobre Otilia, uma estudante que ajuda uma amiga a tirar seu filho. O roteiro enxerga que, justamente pela tensão que o assunto envolve, ele não precisa fazer uso de tais recursos para funcionar.

Otilia, mostrando-se uma amiga assustadoramente dedicada, é quem nos guia por este processo, enquanto Gabriela, mesmo sendo a mais interessada no assunto, assume uma postura passiva e displicente. A displicência que testemunharíamos várias vezes, a propósito, é revelada ao espectador logo no início do longa, quando, após ouvir de Gabriela que esta esquecera de ir ao dentista, Otilia diz à amiga: “Você só não esquece a cabeça”. Esta, por sua vez, tem sua desenvoltura, que seria de grande importância, demonstrada em uma simples cena em um ônibus, na qual resolve com facilidade o problema de não ter o ticket do transporte.

4 Meses... ameaça várias vezes iniciar tramas complicadas, mas elas, fugindo do que poderíamos prever, são resolvidas com uma estranha simplicidade. É o que acontece quando o médico se revolta com a quantia de dinheiro oferecida pela realização do aborto. Ele apresenta os fatos de maneira fria e com uma irritação calculadamente contida. É um momento de tanta tensão que nem a câmera ousa se mexer, permanecendo sentada ao lado das personagens, o que se repete algumas vezes durante o filme. O problema, porém, é logo resolvido quando Otilia, de forma surpreendentemente natural, aceita fazer sexo com o médico, que também resolve assumir todos os riscos de seus atos em troca disso, evidenciando uma falha de caráter ainda maior do que se pensava.

Outra circunstância semelhante envolve a ida de Otilia à casa do namorado. Gabriela é deixada só no quarto do hotel onde tudo acontece, e nem o espectador fica para ver o desenrolar da situação. Nós acompanhamos a protagonista, visivelmente angustiada, durante o jantar de aniversário do qual é forçada a participar. A câmera fica sobre a mesa, e, para que nos sintamos ainda mais aflitos, temos a desagradável sensação de claustrofobia causada por todas aquelas pessoas amontoadas em um espaço pequeno. Enquanto isso, imaginamos que Gabriela esteja passando por maus momentos, mas, novamente, o roteiro facilita em vez de complicar. Quando voltamos ao hotel, ela já teve seu problema resolvido, e o espectador nem precisou passar pela agonia de presenciar a cena, cuja não exibição apenas comprova que, como já foi dito, o foco do filme não é o aborto em si, e sim tudo o que ele envolve.

Somente em um plano detalhe forte, mas não tão chocante (algumas pessoas podem se chocar, claro), é que somos obrigados a ver o feto jogado no chão do banheiro. Otilia, mais uma vez, é encarregada de resolver a situação e, de novo, em uma cena na qual ela poderia perfeitamente ter sido vítima da violência, tudo acaba bem. A câmera sempre a acompanha de perto, inquieta, mas, como se tentasse aliviar a tensão do espectador, distancia-se eventualmente.

Optando pela ausência de trilha sonora, o que torna a atmosfera do filme ainda mais pesada e possível, uma vez que conseguimos ouvir até a respiração dos personagens, 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias mostra-se uma experiência desgastante e, muito em função disso, uma excelente representação da realidade.

4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias 
4 luni, 3 saptamâni si 2 zile, Cristian Mungiu, 2007

1 comentário

Robson Saldanha disse...

Sempre tive vontade de assistir a esse filme, porém nunca encontro. Acho que vou baixar mesmo! Quero ver esse blog bombar. Você merece!

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