20 novembro 2009

500 Dias com Ela


Contém spoilers

A sinopse de 500 Dias com Ela revela, de antemão, que esta não é uma comédia romântica qualquer: ela é triste. O filme conta a história de Summer, uma mulher que não acredita no verdadeiro amor, e de Tom, o homem que se apaixona por ela. Auxiliado por uma tela com o desenho de uma árvore, que guia o espectador ao longo dos 500 dias e cuja aparência revela em que situação se encontra o relacionamento dos dois, o longa deixa a linearidade de lado e tem força suficiente para mostrar, logo no início, como as coisas vão terminar sem que o espectador perca o interesse.

Com uma atmosfera meio indie, o filme é povoado por pessoas vestidas com roupas em tons pastéis, e a fotografia quase sempre acompanha o estilo a fim de conferir ao longa um adequado clima melancólico, que é, sem dúvida, uma de suas marcas. O espectador é levado da alegria à tristeza, da esperança à decepção, em questão de segundos. A sequência na qual Tom dança na rua, por exemplo, é contagiante – além de divertida e inusitada –, mas, no momento seguinte, somos obrigados a testemunhar sua profunda tristeza quando a tela indica a passagem de dias, como se a estrutura do filme tivesse sido estabelecida justamente para impedir que a plateia se sentisse bem por muito tempo. Outra cena interessante, e que talvez comprove o ponto que acabei de expor, é a que se passa dentro da loja na qual Tom e Summer “brincam de casinha”. O filme dá, na metade da projeção, o aperitivo do que seria o final feliz, mas o casal que está ali na verdade nem chega a se formar de fato.

A cena mais genial, porém, é a que confronta expectativas e realidade. Dividindo a tela ao meio, o filme apresenta simultaneamente como Tom espera que as coisas aconteçam e como elas realmente ocorrem. Apesar de as duas sequências caminharem para lados tão distintos, continuamos testemunhando as esperanças porque Tom, embora tenha consciência dessa disparidade, não consegue parar de alimentá-las, e isso é confirmado quando a tela se unifica subitamente em função do aparecimento do provavelmente único objeto capaz de destruir seus sonhos.

Os momentos engraçados ficam por conta principalmente do ambiente de trabalho do protagonista. É impossível não soltar uma gargalhada, por exemplo, quando, logo após demonstrar preocupação com o comportamento depressivo de seu funcionário, o patrão de Tom resolve aproveitar-se profissionalmente desse estado para designá-lo ao posto de criador de cartões de condolências. Divertida também é a cena que, com o único objetivo de exibir um momento descontraído do casal, mostra os dois gritando repetidamente a palavra “pênis”. A irmã dele, porém, que poderia ser cômica, torna-se chata de tão adulta.

Destaco ainda a trilha sonora, com músicas das quais particularmente gosto muito, e a narração, que, verbalizando os sentimentos do protagonista, aproxima-o ainda mais do espectador – no começo, até lembrei um pouco de Pushing Daisies. Na conversa do fim, é interessante notar que há uma árvore – a da tela que conta os dias? – dividindo o enquadramento com Tom e Summer (fiz uma leitura maluca dessa cena, mas nem sei se faz sentido); e o desfecho é corajoso ao, por meio do narrador, desconstruir a mensagem sobre destino quase sempre presente nas comédias românticas convencionais, atribuindo tudo a coincidências.

500 Dias com Ela é, sim, um filme sobre uma triste – e unilateral – história de amor, mas mostra também que isso não é o fim do mundo, já que outras coincidências estão sempre prestes a acontecer. Que bom.

500 Dias com Ela
(500) Days of Summer, Marc Webb, 2009.

19 novembro 2009

Pequenos comentários #1



Os Fantasmas de Scrooge, nova adaptação de Um Conto de Natal, de Charles Dickens, conta a história do rabugento e mesquinho Ebenezer Scrooge, que, na véspera de Natal, festa que considera um “embuste!”, recebe a visita de três espíritos que tentarão fazê-lo entender que há coisas mais importantes no mundo do que o dinheiro. A mensagem do filme, embora bonita e representada de forma esteticamente encantadora – o motion capture é impressionante –, é desgastada demais aos olhos dos espectadores mais velhos, que saem do cinema com a sensação de ter visto apenas mais do mesmo. As crianças, por outro lado, podem até extrair dali uma lição, mas, em função da linguagem às vezes até rebuscada – confesso que nem eu sabia o que era embuste –, acabam perdendo muitas coisas no caminho, deixando a sala com a provável sensação de incompreensão. Em determinados momentos, o filme ainda é extremamente assombroso e pode se tornar um terror infantil para alguns pequenos (havia mães tapando os olhos de seus filhos na minha sessão). Em suma: bonito, mas dispensável, e pouco eficiente nos aspectos nos quais tinha mais chance de acertar.

Os Fantasmas de Scrooge
A Christmas Carol, Robert Zemeckis, 2009.



Flint Lockwood cresceu tentando inventar algo útil, mas suas engenhocas, sempre dando errado, só o tornaram uma pessoa maluca e inconveniente aos olhos dos habitantes de sua cidadezinha. Ao criar uma invenção de sucesso, porém, Flint passa a ser adorado, e, cego por seu desejo de aceitação, perde a noção dos limites, fazendo com que sua máquina, que transforma água em comida, cause problemas de proporção mundial. Tá Chovendo Hambúrguer foi concebido para ser visualmente exagerado, e aproveita bem essa característica para criar momentos divertidos - como não rir, por exemplo, ao ver um personagem contrair a bunda enquanto ela está em close, numa tentativa inusitada de expressar raiva, ou ao testemunhar o enorme esforço do pai de Flint para mostrar os olhos por trás de sua volumosa sobrancelha?

O filme ainda conta com boas piadas, sendo uma delas até crítica no que diz respeito aos restos de comida (“O que os olhos não veem...”), e brinca com uma “coincidência” recorrente em vários filmes, sobretudo nos de catástrofe (e este pode, sim, ser considerado catastrófico): é impressionante como tudo acontece primeiro nas cidades mais famosas do mundo, não? Até a fotografia deixa de lado a sutileza e muda deliberadamente e com frequência de cinzenta e fria para vivaz e colorida, ou o contrário, dependendo do estado de espírito de seu protagonista. Tá Chovendo Hambúrguer, no entanto, é prejudicado por sequências desnecessárias e aborrece um pouco ao tentar esfregar a lição final na cara do espectador em vez de deixá-la implícita, mas ainda assim é uma experiência divertida.

Tá Chovendo Hambúrguer
Cloudy with a Chance of Meatballs, Phil Lord, Chris Miller, 2009.



Imaginativo e fantástico de forma inacreditável, A Viagem de Chihiro fez com que eu me flagrasse boquiaberta a cada nova criatura que irrompia na tela durante sua projeção. Contando a história de Chihiro, que, após alguns acontecimentos, se vê presa em um mundo completamente estranho, no qual seus pais viraram porcos, o longa leva o espectador a acompanhar a jornada da menina, que consiste, na verdade, em seu crescimento pessoal. Para perceber isso, basta reparar na Chihiro do começo, aparentemente mimada e birrenta, e a do final, capaz de tomar decisões importantes e de abrir mão de seu próprio bem-estar em prol de outras pessoas. A Viagem de Chihiro pode ser um filme para crianças na medida em que desperta o imaginário, mas sem dúvida tem mais força em um adulto capaz de compreender seus significados. Excelente.

A Viagem de Chihiro
Sen to Chihiro no kamikakushi, Hayao Miyazaki, 2003.

17 novembro 2009

Código de Conduta


Contém spoilers

As intenções por trás da história de Código de Conduta são ambiciosas: confrontar o sistema judiciário de forma crível enquanto conta uma narrativa de vingança interessante, inteligente e com apelo emocional. Em sua primeira metade, o longa alcança esses objetivos de modo bastante eficiente, mas, na parte final, os propósitos do protagonista deixam de fazer sentido e dão lugar a uma sequência de ações incoerente com o que fora apresentado até então.

Dez anos após os homicídios de sua esposa e de sua filha, Clyde Shelton (Gerard Butler) coloca em prática um plano de vingança contra os assassinos que cometeram os crimes e todos os envolvidos no processo – e isso inclui promotores, advogados e juízes – que, em vez de dar a eles a sentença desejada pelo personagem de Butler, acabaram entrando em um acordo. De início, Shelton mata os criminosos no que parece ser um plano simples, mas depois vemos que a verdadeira intenção do protagonista é, seguindo um caminho cuidadosamente traçado, expor as falhas e injustiças do sistema, e não importa que isso lhe custe a liberdade ou uma consciência tranquila, já que ele não tem mais nada a perder.

O filme devia ter seguido a linha apontada pela cena do julgamento da fiança de Shelton, quando ele, ao convencer a juíza de que não oferece perigo à sociedade, revolta-se justamente por ela concordar em libertá-lo, provando de maneira competente e inquestionável seus argumentos a respeito da frouxidão judiciária. E, ao entrar em seguidos acordos com Nick Rice (Jamie Foxx), o promotor que cuidou do caso de sua família, Shelton também consegue, de modo sutil, criticar a conduta seguida por ele, que foi exatamente o que os levou àquela situação.

Infelizmente, porém, o roteiro de Kurt Wimmer torna-se inconsistente e mirabolante demais, optando por explicações inaceitavelmente convenientes para os seus mistérios. Tudo pode ser esclarecido pelo fato de Clyde Shelton ser um gênio riquíssimo, o que abre um leque enorme de possibilidades para que ele consiga, de dentro da prisão, comandar todo o caos que se instala do lado de fora. Sim, porque é exatamente nisso que, em certo ponto, os planos de Shelton se transformam. Se antes queria confrontar o sistema, ele passa depois a querer apenas instaurar a completa desordem, tirando a vida de todos mesmo que isso não o leve a lugar algum, o que desvirtua totalmente as intenções iniciais do filme. Até mesmo as atitudes do personagem de Butler apresentam incoerências. Mostrando-se frio, calculista e até sádico durante quase toda a projeção, ele demonstra um sofrimento inverossímil em determinado momento.

A solução encontrada para o final se distancia muito de uma decisão mais realista, e ainda vale mencionar o tempo recorde que Nick Rice gasta para se deslocar de um lugar a outro. De qualquer modo, é uma pena perceber que uma boa ideia, e que durante o filme esteve muito próxima de surtir o efeito desejado, tenha sido distorcida e praticamente arruinada pelo aparente desejo de dar ao longa mais momentos de tensão e que pudessem surpreender o espectador.

Código de Conduta
Law Abiding Citizen, F. Gary Gray, 2009.

14 novembro 2009

2012

Contém spoilers

Roland Emmerich adora destruir o mundo, não importa como, embora, para ele, os problemas ambientais pelos quais o planeta vem atravessando sejam bastante oportunos. Isso é tão forte que, em seus filmes-desastre, o diretor, sem cerimônia, coloca de lado qualquer coerência ou profundidade narrativa em troca de conveniências que possibilitem o maior número de cenas de ação fantásticas que possam deixar qualquer um de queixo caído. 2012, seu mais novo longa, lançado no Brasil no dia 13 de novembro, é um exemplo perfeito disso.

A história se alterna entre cientistas, geólogos e personagens do governo que, em segredo, tentam preparar o mundo para um desastre inevitável – o superaquecimento do núcleo terrestre, que provocará a movimentação da crosta do planeta e, consequentemente, terremotos e tsunamis potencialmente capazes de dizimar a raça humana –, uma família problemática e mais uma leva de personagens caricatos. Estes últimos representam, junto com as cenas de ação, a melhor parte de 2012: a que não se leva a sério, tornando tudo muito mais divertido.

John Cusack interpreta Jackson Curtis, ex-marido de Kate (Amanda Peet) e pai problemático. Ao levar os filhos para acampar em uma reserva à qual costumava ir com a mãe das crianças, Curtis deliberadamente pula uma cerca com placas que alertam para uma área de perigo e, claro, não vê problema em colocar os meninos no meio de uma região que exala fumaça rodeada por animais mortos. Abordado pelo exército americano, que está de olho na área, ele é levado a uma base na qual conhece Adrian Helmsley, geólogo comandante da preparação do mundo para o desastre já citado e que, repare na coincidência, está lendo e adorando o fracassado livro publicado por Curtis. Lá, o escritor também conhece Charlie Frost, um divertido radialista e aparente louco que está a par de tudo e em quem Curtis, naturalmente, não acredita. Mas, quando todos voltam para as suas casas, o mundo começa, literalmente, a desmoronar – e não há como duvidar desse “literalmente” em um filme de Emmerich.

As cenas de destruição, com viadutos caindo, casas sendo engolidas por crateras gigantescas, arranha-céus, obeliscos, torres e construções colossais desabando, são de encher os olhos; melhor ainda é ver tudo isso acompanhando a fuga quase hilária da família em uma limusine, veículo nada prático que só pode ter sido escolhido a fim de conferir ainda mais diversão às cenas em questão. Há também algumas sequências engraçadíssimas de tão ridículas. No supermercado, o atual marido de Kate diz algo como: “Parece que há sempre algo nos separando”, e logo em seguida o local é partido ao meio exatamente no corredor onde os dois se encontram, colocando-os, literalmente, separados por um abismo; e ótimo também é quando o governador da Califórnia, em um pronunciamento, diz estar tudo sob controle para imediatamente depois o estado começar a entrar em colapso, numa construção de cena admiravelmente complexa.

O grande problema é quando 2012 tenta ser sério e, pior, emocionante. Momentos heróicos demais, despedidas de personagens para os quais pouco, ou nada, nos importamos e explicações científicas elaboradas em excesso - ainda mais quando sabemos que aquilo deve ser uma versão exagerada de uma projeção hipotética e provavelmente absurda -, por exemplo, tiram completamente o ritmo da narrativa e não despertam nenhum tipo de interesse. Aliás, algumas dessas passagens chegam a ser até mesmo constrangedoras.

No desfecho do longa, e novamente em nome da conveniência, Emmerich se livra de mais alguns personagens para que tenhamos um final lindo, feliz, romântico (“Eu te amo”? Como assim?) e familiar nas arcas de Noé do terceiro milênio. Ou do primeiro, que seja. Ah, e que poético a África ser a salvação do mundo, não? Enfim. 2012 é diversão garantida, e ainda bem que é claramente somente a isso que o filme se pretende. Quem encarar de outra forma, porém, vai apenas se deparar com um festival de vergonha alheia.

2012
2012, Rolland Emmerich, 2009.

02 novembro 2009

This is It


Michael Jackson foi uma figura tão importante quanto estranha, e creio não ser necessário enumerar as passagens de sua vida, sejam elas pessoais ou profissionais, que justificam essas alcunhas. Porém, sua morte precoce, em 25 de junho deste ano, pouco tempo antes de sua última turnê, foi profundamente lamentada por pessoas de todo o mundo, evidenciando que, apesar dos escândalos nos quais ele se envolveu principalmente nas duas últimas décadas, Michael era, acima de tudo, o Rei do Pop, um artista completo, admirado e cujo talento era tão grande que, no fim, conseguiu superar as suas falhas de caráter – ou simplesmente fraquezas psicológicas.

This is It, documentário contendo imagens de ensaios para os shows da turnê homônima, chega aos cinemas apenas quatro meses após o falecimento do cantor. O longa é burocrático e traz na íntegra somente as músicas que seriam apresentadas nos shows, com imagens de diferentes ensaios da mesma canção se alternando, alguns poucos depoimentos de pessoas que trabalharam com ele durante esse período e outros momentos nos quais o cantor conversa sobre aspectos diversos das apresentações e das músicas.

O filme, no entanto, apesar de alcançar seu objetivo, é falho justamente por querer apenas dar sobrevida a Michael, como se fosse somente um consolo para os seus admiradores. Essa finalidade é muito pobre, e chega um momento em que, embora admire o que vê, o espectador fica cansado; afinal, ensaios não são shows, não têm a mesma energia e não são tão contagiantes. É natural, então, que a estrutura adotada pelo documentário exerça esse efeito, embora eu não acredite que isso ocorra com os fãs mais entusiastas.

Sobre o próprio Michael Jackson, This is It deixa a impressão de uma pessoa dedicada, perfeccionista, inteligente, profissional e gentil. O excesso de qualidades pode até ser visto como um defeito, mas isso não é algo que podemos julgar, já que ninguém sabe o tipo de pessoa que ele era na intimidade, apesar de eu não acreditar, por exemplo, que em todos os meses de ensaios não tenha acontecido ao menos uma discussão mais acalorada sobre algo, mesmo que houvesse claramente um respeito mútuo muito grande entre o cantor e toda a equipe, e também grande admiração por parte desta. Nesse sentido, nem posso dizer que o filme falhou, já que não fazia parte de seus planos mostrar coisas do tipo, mas, reitero, o problema aqui reside justamente nisso.

O documentário também conta com momentos bonitos, e um em particular merece ser mencionado. Aparentemente, envelhecer não era um dos objetivos de MJ. Ele sempre gostou muito de crianças – e nem vou entrar na questão de sua suposta pedofilia – e provavelmente preferia pensar que nunca deixou de ser uma delas. É bonito ver isso representado em uma passagem na qual ele sobe em uma estrutura de ferro que durante os shows o elevaria sobre a plateia. Seu entusiasmo é digno de um garoto em um parque de diversões, e é até engraçado ouvir o diretor pedir que ele se segure. A propósito, eu fiquei surpresa com a vitalidade do cantor. O vigor demonstrado contrapõe espantosamente a imagem fragilizada que ele passava ao aparecer em público andando de cadeira de rodas e usando máscaras e outras estranhezas que contribuíam para alimentar seu estigma de pessoa esquisita.

No fim, fica a sensação de que, com fins de registro, This is It é muito bom, mas como documentário é bastante superficial e comodista. De qualquer forma, os fãs sem dúvida ficarão extasiados, e é impossível deixar a sala sem admirar ainda mais o grande artista que Michael Jackson era e sem lamentar que aquele maravilhoso espetáculo jamais tenha ido além dos ensaios.

This is It
This is It, Kenny Ortega, 2009.