15 dezembro 2009

A Princesa e o Sapo



Havia algum tempo que a Disney não se aventurava no mundo das animações ao estilo de seus antigos clássicos, como Cinderela e Branca de Neve e os Sete Anões. Este ano, porém, com direção a cargo dos mesmos responsáveis por Aladdin e A Pequena Sereia, o estúdio resolveu produzir A Princesa e o Sapo, um conto de fadas contemporâneo ambientado em Nova Orleans, na época em que o jazz, que dá o tom da ótima trilha sonora da animação, surgiu com força total.

O fato mais alardeado pela produção era a presença da primeira protagonista negra da Disney, mas isso, na verdade, não faz realmente diferença na trama. Tiana é apenas uma moça pobre, sonhadora e trabalhadora que luta incansavelmente, e até obsessivamente, para alcançar seus objetivos, não muito diferente de uma princesa que nós conhecemos. O príncipe, por sua vez, é um pouco atípico: ele teve a mesada cortada pelos pais e agora procura uma moça rica para casar e poder continuar com sua vida de mordomias. A história se inicia quando Naveen, o príncipe, iludido com as promessas de Facilier, o feiticeiro das sombras, é vítima de um vodu e torna-se um sapo. Tentando ajudá-lo a voltar à sua forma humana, Tiana lhe dá um beijo, mas finda, também, transformando-se em uma sapa. Os dois acabam no pântano, onde vão em busca de outra feiticeira que indicará o caminho correto para reverter a maldição.

Os números musicais, além de excelentes como um todo, são visualmente espetaculares, sobretudo os que envolvem Facilier, com efeitos explosivos e sombrios, e o primeiro de Tiana no espaço onde ela pretende construir seu restaurante, que é estilisticamente muito charmoso. Alguns personagens também são ótimos, como Ray, o vaga-lume apaixonado por uma estrela, e Louis, o crocodilo trompetista. Eles ajudam os protagonistas no pântano e representam a parte mais cômica do longa. E a trilha sonora, conforme já mencionei, é um dos pontos altos de A Princesa e o Sapo, e não apenas durante os números. Mas o romance, embora mais desenvolvido do que em longas semelhantes, nos quais há sempre o "amor à primeira vista", não me convenceu, assim como acontece na maioria dos contos de fadas aos quais assisto. Talvez isso se deva a uma particularidade minha, mas, de qualquer forma, se acontece, preciso considerar um defeito. Em meio à graciosidade do filme, no entanto, isso se torna apenas um detalhe.

É bom ver a Disney voltar às origens, fazendo algo que sabe fazer muito bem, e A Princesa e o Sapo é um recomeço bem satisfatório. Que venham mais clássicos.

A Princesa e o Sapo
The Princess and the Frog, Ron Clements e John Musker, 2009.

11 dezembro 2009

8º Festival Varilux de Cinema Francês - Parte 2

A seleção do Festival foi muito boa, com destaque para "Entre os Muros da Escola" e "A Riviera Não é Aqui". E resolvi não escrever comentários sobre "Mais Tarde, Você Vai Entender...", o último filme exibido, porque, não sei a razão, eu estava muito distraída durante a projeção e ao final percebi que não tinha prestado atenção; ou seja, não tenho condições de falar nada sobre ele.

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA


François Bégaudeau é o autor do livro Entre os Muros da Escola, que inspirou o longa homônimo no qual ele interpreta – muito bem, por sinal, sobretudo se considerarmos que foi seu primeiro trabalho como ator – o professor de francês François Marin, que enfrenta todos os dias o desafio de ensinar, estimular e controlar os alunos adolescentes de uma escola em um bairro periférico de Paris. O filme não aborda, porém, somente a temática pedagógica. Fazendo uso de longos diálogos, principalmente em sala de aula, ele entra em questões sobre racismo, diferenças culturais e conflitos diversos, e mostra a importância do professor, que precisa saber lidar com tudo isso, orientando os alunos e cumprindo o papel de educador não só no ambiente escolar, mas também na vida; e é interessante destacar a calma e o autocontrole necessários para exercer essa função, o que enaltece ainda mais os profissionais da área, visto que a petulância dos adolescentes irrita até o público – e a explosão de um professor em certo momento comprova isso. Com a “câmera na mão” e a ausência de trilha sonora – a única canção ouvida faz parte do universo diegético do filme –, Entre os Muros da Escola se desenrola de forma absolutamente realista, mergulhando o espectador naquele mundo que é válido não só por expor os desafios educacionais, mas também por representar um paralelo com a sociedade, que enfrenta todos os problemas apresentados ali em uma proporção muito maior. Obra admirável.

Entre os Muros da Escola
Entre les Murs, Laurent Cantet, 2007.

UMA GAROTA DIVIDIDA EM DOIS


Uma Garota Dividida em Dois conta a história de Gabrielle, a “garota do tempo” de um canal local que fica dividida entre seu amor por Charles, um escritor sedutor, bem mais velho que ela e casado, e a devoção desequilibrada de Paul, um herdeiro mimado e voluntarioso que, aparentemente, só vê na moça o desafio da conquista. O filme, infelizmente, é conduzido de forma frouxa, com personagens vulneráveis, o que é muito conveniente para que o roteiro os manipule livremente sem que o espectador cobre coerência, e conta com algumas cenas e situações sem cabimento algum, principalmente as que envolvem a histeria de Paul e a passividade de Gabrielle, que, por sinal, é hereditária. Charles é o único que demonstra coerência em suas atitudes e desperta algum tipo de interesse por parte do espectador, o que, no entanto, é muito pouco para segurar o longa. E não havia necessidade alguma de tornar literal o título do filme, em uma cena que alguns podem chamar de poética, mas que eu achei apenas bizarra. Uma Garota Dividida em Dois é, portanto, fraco.

Uma Garota Dividida em Dois
La Fille Coupée en Deux, Claude Chabrol, 2007.

CRIMES DE AUTOR


Enquanto uma famosa escritora procura um tema para seu novo livro, acompanhamos as diferentes histórias dos personagens que, no fim, se unirão para constituir o próprio livro. Crimes de Autor intriga por manter sempre uma interrogação na cabeça do espectador, que nunca sabe ao certo quais são as reais intenções das pessoas que povoam o filme nem até que ponto deve confiar no que elas falam. Além disso, as atitudes meio loucas de certa personagem proporcionam cenas bem engraçadas; e o roteiro é bem amarrado, embora a surpresas e reviravoltas não surtam o efeito esperado, já que o interesse despertado por elas, na verdade, não é tão grande assim. Crimes de Autor é um bom filme, divertido, mas apenas correto.

Crimes de Autor
Roman de Gare, Claude Lelouch, 2007.

07 dezembro 2009

8º Festival Varilux de Cinema Francês - Parte 1

Está havendo, nesta semana, a oitava edição do Festival Varilux de Cinema Francês. Natal é uma das 14 cidades que recebe o evento e, naturalmente, eu resolvi conferir os filmes. Escrevi três pequenos comentários sobre os que já assisti até agora, e até o fim da semana farei textos sobre os quatro restantes. Veja abaixo:

MAIS QUE O MÁXIMO


Coco, imigrante marroquino que deu certo em Paris, é um bilionário que, a fim de provar que conseguiu “chegar lá”, precisa mostrar a todos seu poder e sua influência. Para isso, organiza festas enormes para milhares de convidados; possui uma casa que mais parece um palácio, com quartos exagerados e em cores chamativas e com vários retratos familiares espalhados pelos cômodos, em sinal de um narcisismo necessário para ele; e até o elevador de sua empresa, ao chegar ao andar de seu escritório, é programado para dizer: “Você chegou ao topo”. O conceito de simples, para Coco, é passar o fim de semana em um iate em Mônaco, e chegar a um jantar de negócios pelo palco durante uma apresentação no Moulin Rouge parece até algo corriqueiro. Em meio à organização do Bar Mitzvah de seu filho, ele fica cada vez mais obcecado por sua mania de grandeza e acaba prejudicando sua relação com a família. Tudo isso, pintado de forma extremamente caricatural (lembre-se: ele é judeu) e com o auxílio de um protagonista verdadeiramente engraçado que leva o filme nas costas, torna Mais que o Máximo uma experiência bastante divertida e digna de muitas gargalhadas. Infelizmente, o longa, com o perdão do trocadilho, desliza na parte final, perdendo ritmo e sendo marcado por um desfecho de uma pieguice incoerente e desnecessária.

Mais que o Máximo
Coco, Gad Elmaleh, 2009.

UM SEGREDO EM FAMÍLIA


Na França do pós-guerra, François, um garoto franzino, precisa viver em uma casa na qual impera a lei do silêncio. Ele nada sabe sobre a história de seus pais, que parece ser determinante para explicar o porquê de muitas coisas, e passa por constantes frustrações ao não conseguir corresponder às expectativas deles com relação, principalmente, aos esportes. Com isso, acaba criando um irmão imaginário no qual faz uma projeção de como ele mesmo gostaria de ser: corajoso, bonito e talentoso. Seria interessante manter essa temática em evidência, mas, a partir de certo ponto, o filme concentra-se apenas em mostrar os segredos escondidos por trás do doloroso silêncio daquela casa e acaba por não desenvolver a história de François, configurando um problema de foco que prejudica um pouco a narrativa, principalmente porque nunca revela o impacto que essas descobertas tiveram na vida dele, mas que não chega a tornar o filme ruim. No aspecto técnico, é interessante notar que a fotografia assume o tom preto-e-branco nas passagens nas quais François já é um homem adulto, como se as cores de sua vida – no caso, a alegria de viver - tivessem esmaecido quando ele cresceu e perdeu o poder imaginativo que ainda lhe permitia sonhar, numa sutileza que faz valer a menção. Reunindo passagens interessantes e envolventes, e a despeito de alguns problemas, Um Segredo em Família é um bom filme.

Um Segredo em Família
Un Secret, Claude Miller, 2007.

A RIVIERA NÃO É AQUI


A fim de agradar a esposa, que passa por momentos de depressão, Philippe Abrams, diretor dos correios de Salon-de-Provence, uma simpática cidade ao sul da França, resolve pedir transferência para uma cidade na Riviera Francesa. Para conseguir a mudança mais facilmente, ele finge ser paraplégico, mas é desmascarado – em uma ótima cena – e, como punição, acaba sendo enviado a Bergues, um pequeno vilarejo ao norte do país, onde precisa permanecer por dois anos e cujo povo é visto com extremo preconceito por seus hábitos e sotaque diferentes. De início, Philippe fica profundamente triste com a transferência, e a sua chegada, explorando as dificuldades de comunicação e a estranheza com a qual ele encara costumes gastronômicos e comportamentais do local, é muito divertida, mas logo o cenário se transforma. O diretor passa a experimentar coisas que só uma cidade pequena proporciona, como amizade, cumplicidade, hospitalidade e solidariedade incontestes – esta última representada em uma divertida passagem que envolve a esposa de Philippe –, e passa a sentir-se muito feliz em Bergues. Com uma leveza ímpar, A Riviera Não é Aqui apresenta excelentes personagens que, embora pouco profundos, mostram-se extremamente carismáticos e encantadores, muito em função de seus ótimos intérpretes, e uma história deliciosamente despretensiosa que conquista de imediato. No fim, até o espectador toma para si a verdade de uma fala dita em determinado momento: “Quando vem ao norte, um estranho chora duas vezes: quando chega e quando vai embora”.

A Riviera Não é Aqui
Bienvenue chez les Ch'tis, Dany Boon, 2008.

03 dezembro 2009

Planeta 51



Os muitos filmes de alienígenas já produzidos mostram sempre os seres humanos tratando os extraterrestres ou como criaturas ameaçadoras ou, no mínimo, com bastante cautela. Planeta 51 inverte esse cenário, levando o espectador a um mundo no qual o próprio homem é um invasor. O filme nos apresenta a um planeta bastante simpático e bonito – cuja aparência, aliás, se aproxima muito de uma mistura entre a Terra do passado e várias de suas projeções do futuro –, que vive sob uma dinâmica social e organizacional, costumes, modos e tradições muito parecidos com os do nosso mundo. A sequência inicial, por exemplo, mostra os seres verdes assistindo a uma superprodução sobre uma invasão alienígena, revelando, logo de cara, algumas dessas semelhanças.

Quem conduz a história é Lem, um “garoto” normal que acabou de conseguir seu primeiro emprego, é apaixonado pela vizinha e faz parte do que parece ser a típica família de seu planeta, que se assemelha muito às americanas tradicionais. A nave do astronauta Chuck pousa justamente em frente à sua casa, e os dois eventualmente se encontram. Após uma conversa, Lem decide ajudá-lo a voltar à Terra, já que no Planeta 51 o exército está caçando-o incessantemente.

Como já virou praxe em algumas animações, o longa traz uma série de referências, e as mais óbvias são as de ET e Cantando na Chuva; mas, em determinado momento, é impossível não ver Chuck fazendo a carinha do Gato-de-Botas de Shrek e não enxergar as semelhanças evidentes entre Hover, uma sonda enviada para fotografar o planeta e que cumpre obsessivamente suas diretrizes, e Wall-E, sobretudo quando a pequena máquina interage com um inseto alienígena – a barata da vez. Hover, porém, passa a se comportar mais como um cachorro a partir de certo momento, inclusive fazendo xixi – ou, no seu caso, derramando óleo – ao enfrentar uma situação de medo, em uma cena no mínimo fofa, como muitas protagonizadas por ele.

É uma pena que o universo do filme apresente algumas inconsistências, dando espaço a questionamentos que poderiam ser facilmente evitados. Como o povo do Planeta 51 pode, por exemplo, ter inteligência suficiente para desenvolver carros flutuantes – utilizando uma tecnologia semelhante à do hoverboard, de De Volta para o Futuro, que ainda é primitiva por aqui – e uma base antialienígena com recursos aparentemente avançadíssimos, mas, ao mesmo tempo, possuir conhecimentos astronômicos bastante limitados e ser facilmente enganado por um cientista descaradamente charlatão? Se eles não demonstrassem qualquer interesse pelo assunto, poderíamos relevar; como não é o caso, tal cenário torna-se um tanto implausível.

Algumas piadas funcionam muito bem, como a do iPod sendo considerado uma “arma horrível” ao tocar “Macarena” – e isso, associado ao fato de Chuck classificar a música do Planeta 51, que se assemelha muito à dos anos 50, como “velha”, só pode ser uma crítica aos hits atuais (e nem precisa ser tão atual assim); e convenhamos que “Lugarzinho estranho pra se ter uma antena” foi uma ótima tirada. Algumas gags visuais, sobretudo as que envolvem um cachorro, também são muito boas. Outras passagens, porém, além de sem graça, foram extremamente forçadas, mas, creio eu, muito em função da dublagem, que decidiu substituir infelizmente não sei o quê por falas relacionadas às Olimpíadas do Rio, aos mil gols de Pelé e à Jovem Guarda, o que se mostrou uma péssima escolha.

O melodrama final, e incômodo, veio na forma de um discurso a respeito do medo do desconhecido, e mesmo antes, na metade da projeção, já víramos Chuck versar sobre o heroísmo – aliás, os astronautas, que são considerados herois em seus países, foram delineados no filme como pessoas apenas charmosas e narcisistas que não precisam realmente fazer muito esforço para alcançar seus objetivos, o que achei injusto, embora isso também não queira dizer que eu os cultue. Apesar dos defeitos, Planeta 51, assim como o próprio, é um filme agradável, simpático e divertido, e é no mínimo interessante observar atitudes tipicamente humanas em outros seres.

Há uma cena adicional após os créditos.

Planeta 51
Planet 51, Jorge Blanco, 2009.